Com a ferramenta, foi possível delimitar com precisão áreas de floresta amazônica, vegetação de Cerrado, pastagens e culturas agrícolas em sistema de cultivo duplo
Pesquisadores da Universidade Estadual Paulista (Unesp), em Tupã, desenvolveram e testaram uma nova metodologia de inteligência geoespacial que pode contribuir de forma mais rápida e precisa com projetos de gestão do uso da terra e de planejamento territorial.
Com a ferramenta, foi possível delimitar com precisão áreas de floresta amazônica, vegetação de Cerrado, pastagens e culturas agrícolas em sistema de cultivo duplo, algo que pode fornecer subsídios para políticas públicas voltadas à produção agrícola e conservação ambiental.
Combinando arquitetura de cubos de dados (prontos para análise), disseminada no país por meio do projeto Brazil Data Cube, do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), e a abordagem Geobia (sigla em inglês para Geographic Object-Based Image Analysis), os cientistas conseguiram identificar a vegetação e as práticas de cultivo duplo – soja e milho, por exemplo – ao longo de uma safra no Estado de Mato Grosso. Foram usadas séries temporais de imagens de satélite do sensor Modis (Moderate Resolution Imaging Spectroradiometer), da Nasa.

Os resultados indicaram que a combinação proposta, aliada a algoritmos de aprendizado de máquinas (inteligência artificial), alcançou 95% de acerto no mapeamento.
A Geobia é uma técnica que permite o processamento de imagens de satélite a partir de segmentações que agrupam pixels semelhantes em geo-objetos e estuda suas características, como forma e textura, além da reflectância. Isso permite, em muitos casos, uma interpretação mais próxima da realidade.
Os cubos de dados, por sua vez, armazenam informações em dimensões – tempo e localização –, facilitando a agregação e visualização de informações referentes a determinado local em um período específico, como áreas de cultivo em um ano-safra.
Hoje, os mapeamentos utilizam análises de imagens por pixel isoladamente, o que acaba gerando problemas de bordas, com indefinição em algumas áreas.
“Os trabalhos científicos têm colocado a confusão espectral em zonas de borda entre usos da terra distintos como um ponto a ser melhorado. Assim, resolvemos segmentar as imagens e avaliar o objeto geográfico como unidade mínima de análise, e não o pixel. É como se a imagem fosse quebrada e classificada de acordo com cada peça. Com isso, foi possível reduzir erros recorrentes de borda e identificar os alvos de forma aderente, mesmo usando resolução espacial moderada”,
afirma o professor da Faculdade de Ciências e Engenharia da Unesp Michel Eustáquio Dantas Chaves, autor correspondente do artigo.
Chaves vem usando a arquitetura de cubos de dados há alguns anos para desenvolver ferramentas que contribuem em análises com enfoque no avanço da fronteira agrícola, especialmente no Cerrado.
Segundo o professor, a metodologia pode ser replicada para avaliar imagens oriundas de outros satélites de observação da Terra, como Landsat e Sentinel, que fornecem dados para estudos científicos, mapeamento e monitoramento. Imagens de ambos estão sendo trabalhadas agora pela equipe coordenada pelo professor.
O artigo descrevendo a metodologia foi publicado na edição especial Research Progress and Challenges of Agricultural Information Technology, da revista científica AgriEngineering. O estudo teve apoio da FAPESP por meio de três projetos (21/07382-2, 23/09903-5 e 24/08083-7).
Aplicação na prática
O Mato Grosso lidera a produção nacional de grãos, com 31,4% do total do país, seguido do Paraná (12,8%) e Rio Grande do Sul (11,8%). A estimativa é que o Estado atinja 97,3 milhões de toneladas na safra 2024/2025 – um aumento de 4,4% em relação à anterior, segundo a Companhia Nacional de Abastecimento (Conab). Praticamente metade dessa produção (46,1 milhões de toneladas) deve ser de soja.
Além disso, o Mato Grosso é um dos Estados com maior biodiversidade – abriga parte de três dos seis biomas brasileiros. Cerca de 53% de seu território está na Amazônia, 40% no Cerrado e 7% no Pantanal.
Devido a essa heterogeneidade dos usos do solo e tipos de vegetação em seu território, os pesquisadores aplicaram a nova metodologia em Mato Grosso usando dados da safra estratégica de 2016/2017, na qual o Brasil produziu 115 milhões de toneladas de soja, sendo 30,7 milhões de toneladas no Estado. As classificações de uso do solo foram associadas às terras agrícolas (pousio-algodão, soja-algodão, soja-milho, soja-pousio, soja-milheto e soja-girassol), além de culturas de cana-de-açúcar, áreas urbanas e corpos d’água.
Os resultados indicaram precisão geral de 95%, mostrando o potencial da abordagem para fornecer mapeamentos que otimizam a delimitação de florestas e terras agrícolas.
“Como a abordagem consegue identificar os alvos de forma aderente, a metodologia pode ser aplicada em estimativa de área ainda dentro de uma mesmo safra, favorecendo estimativas de produtividade; em ações de planejamento territorial e tudo o que trate do uso e da cobertura da terra para tomada de decisão”,
detalha Chaves sobre a aplicação da ferramenta.
O professor explica que a metodologia também permite analisar perturbações em florestas e outros tipos de vegetação natural:
“É mais rápido identificar se há desmatamento do que degradação. Esse método permitiu detectar essas variações de forma mais rápida.”
No artigo, os cientistas fazem uma homenagem à professora Ieda Del’Arco Sanches, pesquisadora de sensoriamento remoto no Inpe, que faleceu em janeiro.
“Esse artigo é uma forma de agradecê-la pelos ensinamentos e seguir seu legado. Ieda sempre trabalhou para avaliar a superfície terrestre com precisão e tratar os dados de forma ética e responsável, mostrando como eles podem contribuir para a construção de políticas públicas”,
completa Chaves.
O artigo Mixing Data Cube Architecture and Geo-Object-Oriented Time Series Segmentation for Mapping Heterogeneous Landscapes pode ser lido em: www.mdpi.com/2624-7402/7/1/19.
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